Pediu-me um cliente, numa empresa certificada ISO 9001, para lhe explicar, porque até agora ninguém conseguira que percebesse, qual a diferença entre as expressões Concepção e Desenvolvimento.
Ponto prévio: Há definições para todos os gostos (ver nota), e eu prefiro as explicações simples (e curtas).
A resposta dada, com uma definição adequada ao universo ISO 9001Um cria, o outro edita ou replica.U, foi esta:
- Concepção: Precisamos de acrescentar um produto à nossa lista de referências vendáveis. Se optamos por comprá-lo já prontinho a outra empresa, então estamos a comercializar, não a conceber. Se não nos limitamos a comprar e comercializá-lo, se somos nós que vamos definir e/ou fabricar, parcial ou totalmente, alguns ou todos os elementos constituintes do produto ou serviço, então é concepção. Exemplos: Fabricar uma cadeira, tendo que definir características das matérias-primas, ou as dimensões finais do produto, ou as operações de fabrico a realizar, e executar algumas destas operações. No caso dum serviço, por exemplo dum de formação, ter que definir e elaborar os conteúdos, a carga horária, ou definir e seleccionar formadores, ou definir as condições logísticas, obter os espaços, e dispor as cadeiras, mesas e quadros.
- Desenvolvimento: Quando temos o produto na nossa lista de “vendáveis” (no nosso portfolio) e resolvemos modificá-lo, dando origem a uma nova versão (dê ou não lugar à substituição da versão anterior).
Notas:
1. A própria NP EN ISO 9000:2008 reconhece (ou acautela) que “Os termos “concepção” e “desenvolvimento“ são algumas vezes utilizados como sinónimos e outras vezes para definir estádios diferentes do processo global de concepção e desenvolvimento.” Há quem, por exemplo, chame “pre-desenvolvimento” à concepção, entendendo-a como a fase criativa e de definição dos atributos pretendidos, e chame depois desenvolvimento à materialização do produto. Há quem diga que desenvolvimento é evoluir dum produto para outro, mesmo tomando por base um produto que não é nosso…
2. Para a conformidade com a ISO 9001, a extensão dos procedimentos a seguir na concepção é variável. Assumir o requisito pode não dar assim tanto trabalho…
3. Para não confundir, o conceito de inovação, dependendo do quadro de análise (de gestão, de sociologia, de economia…), deve ser visto como separado da C&D. A inovação põe cá fora coisas novas. Se para isso foi ou não preciso C&D, já é outra história, e depende do jogo de conceitos que refiro mais acima.
É verdade que os conceitos se tocam, daí a confusão. Até porque, todo o produto que é concebido é, regra geral, imediatamente sucedido de desenvolvimento, num curtíssimo espaço de tempo, no sentido de ser complementado e aperfeiçoado.
Olá, D.
É verdade.
Neste caso, trata-se de perceber a distinção no âmbito dum referencial específico (a norma ISO 9001), que até tem um “parceiro” especial para ajudar a clarificar estas coisas (é a norma ISO 9000, que fixa um glossário para os respetivos sistemas de gestão da qualidade).
A questão é que não só a ISO 9000 não distingue explicitamente (veja-se a nota que citei no post), como alguns intervenientes com responsabilidades (consultores, auditores) também não o fazem – penso que por também eles esperarem por uma definição universal que, não surgindo para que possam reproduzi-la, os faz não assumir o risco.
O grave é que isto resulta em situações lamentáveis como a deste meu cliente, que, ano após ano:
– Andava a acumular papeladas a justificar a forma como faz a concepção e desenvolvimento dos produtos que vende;
– Todos os anos levava na cabeça dos auditores porque não conseguia ser claro na apresentação do "dossier";
– Stressava por isso mesmo e acumulava resistências à certificação da qualidade, porque "é só burocracias estúpidas";
– E, afinal, só comercializa produtos!!! (pedem-lhe um produto, ele consulta fornecedores, e se encontra algum que já o tem, compra-o e revende aos seus clientes!)
De qualquer forma, com a experiência que tiveste com o EQUASS e aquela questão das “falsas” auditorias obrigatórias, percebes a importância desta clarificação (em defesa das entidades que querem manter um SGQ sem ser só pelo papel a dizer que são certificadas…).
Bem, nesse caso, uma vez que o Sr. não acrescenta qualquer valor ao produto, é apenas revendedor, a questão da "Concepção e Desenvolvimento", é uma falsa questão, ou uma questão inexistente.
Custa-me entender que um auditor, implique com um ponto, que nem sequer deve ser tratado por não existir. Logo, não se coloca a questão da percepção, ou não, do conceito.
Enfim, é o velho problema da aplicação da mesma fórmula para "problemas" distintos. E quando assim é, os sistemas de qualidade não servem a organização, são um elemento estranho, e isolado, sem qualquer utilidade.
DC, isto tem um pouco a ver com as más influências por parte de agentes externos (e à consequente desvirtuação da certificação de SGQs): http://balancedscorecard.blogspot.pt/2012/08/a-erosao-da-certificacao-iso-9001.html.